Autocuidado e saúde mental são alguns dos temas abordados na ilustração da artista Lila Cruz
Na infância, pensava em ser cantora ou escritora. Com o tempo, diferentes caminhos foram surgindo. Entretanto, a intuição de criança prevaleceu: a arte e as palavras entraram, definitivamente, para a vida de Lila Cruz, jornalista e ilustradora de Salvador. Aos 35 anos, ela acumula uma bagagem profissional diversificada e democrática. Livros, quadrinhos, ilustrações de capas, prints e produtos de papelaria compõem a vasta lista de trabalhos da artista. Formada em jornalismo desde 2010, Lila se interessou pela ilustração ainda no período da faculdade, devido às atividades de sala de aula.
“Quando pequena, eu desenhava, mas não levava muito a sério, era recreativamente. Durante a faculdade, comecei a desenhar mais, pois também gostava de designer. Então, eu diagramava as revistas das disciplinas. Dentro do jornalismo, eu sempre queria ser a editora de revista. Eu acabava fazendo não só a diagramação como a ilustração”, relembra.
Desde 2014, Lila trabalha como ilustradora, mas foi em 2017, quando a baiana adotou São Paulo como seu novo lar, que se dedicou mais a esse tipo de atividade. “Depois da faculdade, meus trabalhos foram todos relacionados a isso. Eu escrevia, ilustrava e diagramava. Quando vim para São Paulo, comecei a focar em ilustração que, dentro dessas outras coisas que fui testando, foi a que acabei gostando mais”, comenta. As possibilidades de criação com ilustração são extensas. Hoje, ela comercializa sua arte através de um e-commerce (www.quadradaquadrada.com), no qual nota-se a versatilidade da artista. Livros, fanzines, adesivos ilustrados, planners, blocos de notas, posters, prints e canecas estão entre os produtos oferecidos. “Meu único foco é a ilustração. Onde ela se aplicar, estou indo, entendeu? (risos). Se me der jogo de tabuleiro… Eu já fiz baralho… Enfim, o que tiver, eu faço. Eu sempre me interessei por fazer todo tipo de trabalho relacionado à ilustração”, explica.

“As pessoas acham que desenho se aprende fácil, mas é uma tarefa que demanda prática e dedicação. Recomendo muito estudo e paciência, porque as coisas se desenvolvem com o tempo, nada é na velocidade da internet. Persistência e continuidade são fundamentais”
Lila Cruz
Além dessas atividades, Lila também é autora e possui duas obras independentes publicadas: “Pequeno Livro de Felicidades” e “Almanaque de Autocuidado”. Atualmente, trabalha em mais um livro, previsto para ser lançado em novembro deste ano, o “Como ser adulta e outras (im)possibilidades”, que será publicado pela Editora Gutenberg. “Os capítulos falam sobre carreira e sobre as concepções de autocuidado. Abordam também o que se entende sobre ser adulta, pelo menos o que eu consegui compreender a partir da minha vivência de envelhecer e amadurecer. O livro fala, ainda, sobre ansiedade e temas que abordo normalmente, mas por outras perspectivas. A minha expectativa é jogar esse filho no mundo e ver o que acontece com ele”, admite, sorrindo.
O “Almanaque de Autocuidado”, lançado em 2019, é outro trabalho de grande afeto e significado em sua carreira. Até hoje, segundo a autora, ele ainda tem uma excelente receptividade. O quadrinho mostra como o cuidado vai muito além da estética. É uma conversa sobre saúde mental, saúde do corpo e a importância de perdermos o preconceito com assuntos relacionados a doenças que afetam a mente. “É muito legal ver o que as pessoas falam sobre ele, como as pessoas ainda o recebem e recomendam. Esse trabalho tem um lugar muito especial no meu coração, pois foi uma conversa longa comigo mesma, como basicamente todos os livros que produzo”, explica.
A ideia de unir a ilustração a assuntos de grande relevância para a sociedade, como a saúde mental e o autocuidado, partiu também de uma experiência pessoal. Aos 23 anos, Lila foi diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada. Segundo a ilustradora, escrever e fazer desenhos sobre o tema foi uma maneira de entender o próprio transtorno e de se autoconhecer. “Na época, as pessoas não falavam muito sobre isso. E a gente ia descobrindo que precisava de psiquiatra porque chegava a situações insustentáveis. Então, desenhar foi muito importante para começar o processo terapêutico. Obviamente, depois, eu fui ao psiquiatra para fazer terapia, mas eu precisava começar de algum lugar, como se eu estivesse conversando comigo mesma”, relata.

“Anne de Green Gables” e o divisor de águas
Em 2018, Lila iniciou mais um trabalho de grande afeto e que, até hoje, tem um lugar especial em seu coração. A artista foi convidada para ilustrar as capas da série de livros “Anne de Green Gables”, da edição da Martin Claret Editora (imagens acima). A obra é de autoria da escritora canadense L. M. Montgomery e foi publicada pela primeira vez em 1908. “As capas de Anne de Green Gables são meus ‘amorzinhos’, meus xodós. Eu as amo muito e vou ficar triste quando acabarem. Essas capas foram um divisor de água do meu trabalho, do meu estilo, do modo como eu lido com as editoras e também do meu relacionamento com as leitoras. Toda essa série é muito importante para mim como profissional”, revela.
2020: um ano desafiador
Em seu tempo livre, a artista gosta de se envolver com a arte e com a criatividade. Porém, desde o início da pandemia da Covid-19, algumas dessas atividades não puderam ser efetuadas. Sem distração, dedicou-se exclusivamente ao trabalho, porém o excesso suprimiu suas inspirações. “Acho que a gente precisa de inspiração para ter assunto para desenhar e eu fui ficando seca de inspiração, assim o trabalho ficou mais cansativo. Eu tinha que entregar os trabalhos, mas só fazia isso, não tinha lazer. Dois mil e vinte foi um ano mentalmente desgastante”, avalia. Entretanto, no momento, a artista está organizando seu trabalho e se preparando para fazer outras atividades. Entre as tarefas preferidas estão: tocar piano, fazer música, bordar e pintar quadros.
No Instagram, Lila é @colorlilas, uma brincadeira que une seu apelido à sua cor predileta. “Lilás e todas as suas variações são minhas cores favoritas. São os tons que eu mais adoro e os que mais tenho em tinta”, explica, ressaltando que também produz muita arte digital e, por diversas vezes, simula a técnica de aquarela. Em trabalhos manuais, ela utiliza aquarela, além de tinta acrílica e guache, uma das suas favoritas. Para quem está começando no ramo de artes e ilustrações, a artista defende que invista sempre em conhecimento.
“As pessoas acham que desenho se aprende fácil, mas é uma tarefa que demanda prática e dedicação. Recomendo muito estudo e paciência, porque as coisas se desenvolvem com o tempo, nada é na velocidade da internet. É um conselho que dou baseado na minha própria vivência. Não desista e não suma de onde você mostra o seu trabalho. Crie projetos fictícios e vá experimentando o que você quer. Por exemplo: você gostaria de fazer uma capa de livro, mas ninguém te chamou para fazer ainda. Então, crie uma capa do zero. Persistência e continuidade são fundamentais”, sugere.